domingo, 12 de janeiro de 2014

Zezinho e a meritocracia

Por João Paulo da Cunha Gomes.

Zezinho mora na zona rural. Tem dezessete anos de idade, e desde os sete trabalha na lavoura, para ajudar no sustento da família. Ele madruga todos os dias, pelas quatro da matina já está de pé. Após tomar o café, ainda antes de o sol nascer, lida na ordenha do rebanho da fazenda. 


Os primeiros raios de sol apontam no horizonte e Zezinho já está na roça. Ele sabe tudo de roça. Trabalha com carinho e dedicação. Mesmo adolescente, Zezinho é o empregado de confiança do fazendeiro, que tem ele como um verdadeiro conselheiro. Zezinho conhece os segredos da terra, sabe do que ela necessita, como deve ser preparada, tem a noção exata da melhor época para semear. 

Zezinho também conhece todos os tipos de defensivos agrícolas, é perito no assunto, e orienta sempre o patrão quanto ao produto melhor recomendado para cada tipo de cultura. Inteirou-se, sozinho, quanto às legislações ambientais, sobre o que é legal e o que não o é. Por conta de seu conhecimento e de seu trabalho, o patrão de Zezinho sempre faz boas colheitas, e obtém grandes lucros. 

O que é produzido na fazenda onde Zezinho trabalha e coordena gera prêmios para o fazendeiro, que tem muitos troféus relacionados com controle de qualidade; alimentos com baixa incidência de agrotóxicos nocivos à saúde humana. Nem é preciso repetir que Zezinho é o braço direito do patrão. 

Zezinho não se importa com o baixo salário que recebe, não liga que seja descontado de seu salário o aluguel da choça em que vive, bem como não lhe incomoda o fato de ser-lhe cobrado o leite que ele tira das vacas para seu próprio sustento. Ele recebe um salário mínimo mensal já com os referidos descontos. Zezinho, na verdade, quer ser agrônomo, este é o seu maior sonho. E por isso se esforça demais. Ele cursa o terceiro ano do ensino médio, que irá concluir este ano. 

Na hora da refeição, Zezinho pega sua marmitinha e senta-se embaixo de uma figueira, no alto de um pequeno morro, de onde observa aquela imensa plantação, que mais parece uma selva, toda cheia de vida, e se sente orgulhoso por ser aquela plantação fruto do seu conhecimento, do seu trabalho. Ele imagina o dia que se tornará agrônomo, e a felicidade que dará a seus pais. Ele chega a suspirar e ergue uma das mãos para o alto, onde ele imagina ser o céu; em seguida tira seu chapéu, em sinal de agradecimento e confiança de que seu sonho um dia se realizará. 

Assim sendo, Zezinho tem esperança de que, no futuro, seu conhecimento prático, que o coloca em igualdade de capacidade com qualquer profissional formado, lhe retorne uma vida melhor, mais justa. Zezinho nada deve em conhecimento a qualquer agrônomo. Aprendeu tudo que sabe com a vida. O profissional contratado pelo patrão apenas assina os papéis. Quem dá as cartas e comanda é Zezinho. 

Zezinho estuda em uma escola da zona rural. Já extremamente cansado por conta de seu trabalho pesado, que o tirou da cama logo de manhãzinha, volta pra casa, toma um banho e sai sem jantar. É o melhor aluno da classe. Dedicado, responsável, esforçado. Um exemplo de estudante, adorado por todos os professores, pela direção da escola e pelos funcionários. Prestativo, ajuda sempre seus amigos que têm dificuldades. 

Contudo, a realidade de Zezinho não lhe permite que se dedique mais aos estudos, ele faz o que é possível. Ele faz mais que o possível. Nem teria como fazer mais, pois Zezinho também trabalha boa parte dos sábados. O mínimo tempo que lhe sobra é o que resta do final de semana. E ele aproveita as migalhas do tempo. Entrega todas as tarefas para os professores, feitas a mão; não possui computador, mas tem uma caligrafia e uma escrita invejáveis. Toma emprestados os livros da biblioteca e, mesmo exausto, faz suas leituras aos domingos. Um aluno brilhante. 

Zezinho é aluno do ensino médio rural, período noturno. Tem ótimos professores, que entendem perfeitamente suas possibilidades e valorizam seu esforço. Zezinho é pobre. As suas realidades social e política não lhe permitem fazer mais. Ele faz o que pode, o que está dentro de suas possibilidades e realidade. 

Zezinho prestou vestibular. Não passou. Zezinho não será engenheiro agrônomo. 

2 comentários:

  1. Muito obrigado, Lidiane. É isso que me traz a inspiração para escrever. O reconhecimento. Fiquei muito feliz! :)

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  2. Bem reflexivo o texto, parabéns. Estamos cheios de Zezinhos espalhados por aí, que são explorados pelos seus patrões mas mesmo assim sentem orgulho de ver os resultados dos seus trabalhos e ainda assim, sonham e se esforçam pelo seu crescimento. Muitos têm oportunidade, muitos não a tem, essa história é um ótimo exemplo da realidade de muitos que gostariam, mas não conseguem...

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